A teoria das representações sociais de Pierre Bourdieu

Walter Praxedes

Bourdieu e Louis Lassabatère

Pierre Bourdieu (à esquerda) e seu amigo Louis Lassabatère. (1)

Pesquisar a respeito das representações sociais é outra forma de buscar entender como cada agente desenvolve as suas formas de “percepção, pensamento e ação” através das quais se realiza a apreensão do mundo e a orientação das condutas práticas no dia-a-dia e também nas suas relações com os outros agentes.

Pierre Bourdieu defende a concepção de que as representações sociais são influenciadas pelas ideias, valores, crenças e ideologias existentes anteriormente em uma sociedade, e que se fazem presentes na linguagem que utilizamos para nos comunicar, nas religiões e no chamado senso comum que compõem o habitus de cada agente, e também as concepções que circulam entre os participantes dos campos sociais, grupos profissionais e classes sociais.

É importante ressaltar que tais representações possuem uma origem histórica e coletiva. Muito embora as nossas representações sociais estejam alojadas no inconsciente e sejam influenciadas por representações existentes desde tempos passados, quando agimos e interagirmos com outros indivíduos possuímos a capacidade de formular e reformular nossas próprias representações e assim orientar os pontos de vista particulares que elaboramos sobre a realidade e as decisões práticas que adotamos.

Essas representações sociais são também fortemente influenciadas pelas posições sociais que ocupamos nas hierarquias existentes nos campos e entre as classes sociais. Assim, elaboramos as nossas representações para que estejam de acordo com os interesses consciente ou inconscientemente vinculados à posição que ocupamos nos campos e na sociedade.

Os indivíduos e grupos sociais de todos os tipos, de amigos, associações profissionais, classes sociais, “raças”, “etnias”, gêneros etc., desenvolvem representações específicas que dão sentido e explicam a sua posição e dos demais na sociedade. Como nos ensina Pierre Bourdieu (2004: p. 158), “as representações dos agentes variam segundo sua posição (e os interesses associados a ela) e segundo o seu habitus como sistema de esquemas de percepção e apreciação, como estruturas cognitivas e avaliatórias que eles adquirem através da experiência durável de uma posição no mundo social”.

As representações sociais podem ser consideradas como a matéria prima dos preconceitos construídos no pensamento humano a partir de esquemas inconscientes de percepção, avaliação e apreciação. Incorporamos e construímos esses esquemas inconscientes de entendimento através do aprendizado da língua e dos valores e ideias expressas pelas culturas nas quais convivemos desde o nascimento, ou seja, nas manifestações culturais populares, nas religiões etc.

Os preconceitos de gênero, étnicos e raciais contra um indivíduo ou coletividade ou sobre a condição social de alguém podem provocar como efeito a sua confirmação efetiva, pois os seres humanos são suscetíveis de serem influenciados pelos julgamentos que os outros realizam sobre eles. As pesquisas realizadas por Pierre Bourdieu indicam que na educação familiar e escolar, as expectativas que temos sobre o comportamento e o desempenho dos estudantes influenciam de fato nas suas condutas e resultados futuros.

Apontamentos

1- As representações incidem diretamente sobre aquilo que Pierre Bourdieu classifica como habitus do agente, definido como um “sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto é, como princípio que gera e estrutura as práticas e as representações…”, ou seja, na terminologia empregada pelo sociólogo francês, trata-se de um processo de “interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade”. (Bourdieu, 1994, p. 60-61).

2- Os estereótipos e estigmas utilizados no cotidiano como princípios de classificação e de juízo empregados na prática possuem como conteúdo um conjunto de representações sociais já aceitas como verdadeiras ou válidas, sem questionamento. São formas de classificação simbólica do outro.

3- Essas formas de classificação práticas produzem efeitos sociais, revelando a conexão entre representações e realidade, podendo “contribuir para produzir o que aparentemente elas descrevem ou designam” (Bourdieu, 1996, p. 107). As representações produzem mudanças na realidade objetiva, que, por sua vez incide sobre as representações, o que torna necessário “incluir no real a representação do real” (Idem, p. 108).

4- Quando elaboramos nossas representações realizamos a percepção e a avaliação do existente, mas essa elaboração já é filtrada (ou condicionada) pelos pressupostos cognitivos, valores e interesses que possuímos. Simultaneamente a esta percepção da realidade para conhece-la, a representação elaborada tem também como conteúdo o interesse em influenciar as representações dos outros agentes, modificando-as segundo o ponto de vista que atende as necessidades de quem formula tais representações. Em uma simples conversa pode estar em jogo uma disputa em torno das representações que serão reconhecidas como mais ou menos adequadas à realidade.

5- A representação da realidade se transforma em realidade da representação ao produzir efeitos sobre os pensamentos e as práticas dos agentes. “As classificações práticas estão sempre subordinadas a funções práticas e orientadas para a produção de efeitos sociais” (Idem, p. 107).

6- No mundo social, “os agentes classificam os demais agentes” (Idem, p. 115) e classificam a si mesmos através de “estratégias simbólicas de apresentação e representação de si” que se “opõem às classificações e às representações (deles mesmos) que os outros lhes impõem” (Idem, p. 115).

7- “As representações que os agentes sociais possuem das divisões da realidade… contribuem para a realidade das divisões” (Idem, p. 114). O poder de classificar um indivíduo ou grupo social através de um conceito científico ou estereótipo consagrado pela cultura popular como raça, etnia, nacionalidade, “família” ou “sexo”, “negro”, “pobre”, “índio” revela a capacidade de impor significações.

8- As representações “podem contribuir para produzir o que aparentemente elas descrevem ou designam, ou seja, a realidade objetiva” (p. 107).

9- As representações mentais são “atos de percepção e de apreciação, de conhecimento e de reconhecimento, em que os agentes investem seus interesses e pressupostos” (Idem, p. 108).

10- As representações objetivas (materiais como bandeiras, insígnias, símbolos, emblemas, cartazes etc.) são “estratégias interessadas de manipulação simbólica tendentes a determinar a representação (mental) que os outros podem construir a respeito tanto dessas propriedades como de seus portadores” (Idem, p. 108).

11- No mundo social ocorre “uma luta permanente para definir a “realidade”” (Idem, p. 112). Um debate político ou acadêmico é uma luta entre diferentes formas de classificação e definição da realidade e que pode fazer ou desfazer regiões, identidades, grupos, classes etc., em que os agentes estão buscando “modificar a realidade social ao modificar a representação dos agentes a esse respeito” (Idem, p. 118)

12. A ação política depende da capacidade de cada agente “produzir e impor representações (mentais, verbais, gráficas ou teatrais) do mundo social capazes de agir sobre esse mundo, agindo sobre as representações dos agentes a seu respeito” (idem, p. 117).

13- “As categorias segundo as quais um grupo se pensa, e segundo as quais ele representa sua própria realidade, contribuem para a realidade desse mesmo grupo” (Idem, p.123).

14- “Mesmo quando se limita a dizer com autoridade aquilo que é, ou então, quando apenas se contenta em enunciar o ser, ou autor produz uma mudança no ser” (Idem, p. 109).

15- “Pelo fato de dizer as coisas com autoridade, ou seja, diante de todos e em nome de todos, pública e oficialmente, ele [o autor] as destaca do arbitrário, sancionando-as, santificando-as e consagrando-as, fazendo-as existir como sendo dignas de existir, ajustadas à natureza das coisas, “naturais”” (Idem, p. 109); evidenciando assim “o poder quase mágico das palavras” (Idem, p.111) de influir sobre as percepções da realidade.

16- “A força social das representações não é necessariamente proporcional ao seu valor de verdade”, mas o resultado da correlação de “forças materiais num determinado momento” (Idem, p. 114).

17- Os sistemas escolares através dos currículos impõem significados sobre como devem se dar as relações no espaço escolar e sobre os conteúdos que deverão ser trabalhados como relevantes e dignos, definindo assim o que pode ser considerado irrelevante ou simplesmente desnecessário de estudar. Esse aspecto das lutas entre as representações no sistema escolar se expressa na definição da língua oficial de um país, por exemplo, “através da imposição da língua “nacional”, o sistema comum de categorias de percepção e de apreciação capaz de fundar uma visão unitária do mundo social” (Idem, p. 111).

18- “O mundo social é também representação e vontade; existir socialmente é também ser percebido, aliás, percebido como distinto” (Idem, p. 112);

19- Toda teoria é um programa de produção de representações sobre o pensamento e sobre a realidade, ou seja, sobre a produção da capacidade de percepção da realidade através de “categorias de percepção do mundo social” (Idem, p. 123) que possibilitam descrever segundo tais categorias quais são e como se relacionam os indivíduos e grupos sociais;

20- “A ciência transforma a representação do mundo social e, ao mesmo tempo, o próprio mundo social, ao viabilizar práticas ajustadas a essa representação transformada” (Idem, p. 122-123). Apresentada como neutra e meramente descritiva a ciência se transforma em prescritiva ao condicionar as percepções que os agentes passam a ter sobre as possibilidades de intervir na realidade.

Enfim, as representações são ideias, conceitos, concepções, valores, princípios e imagens com os quais pensamos e atribuímos significado à realidade, às circunstâncias que geram as condições de existência de cada indivíduo ou grupo humano. As nossas práticas, as nossas atitudes cotidianas são orientadas pelas representações que formamos em nossas mentes sobre quem somos, o que devemos fazer e como devemos interagir com as outras pessoas.

Nota:

  1. Pierre Bourdieu, dix ans déjà. http://www.larepubliquedespyrenees.fr/2012/01/23/pierre-bourdieu-dix-ans-deja,224322.php

Referências

BOURDIEU, Pierre. “Esboço de uma teoria da prática”. In: ORTIZ, Renato (org.) Pierre Bourdieu. São Paulo, Ática, 1994.

______. Coisas ditas. São Paulo, Brasiliense, 1988.

______. A economia das trocas linguísticas. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1996).

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