Repensando a recepção do marxismo no pensamento educacional brasileiro

Resumo: 

Após esboçar uma história da recepção da obra de Marx nas instituições universitárias brasileiras, este artigo propõe uma interpretação histórica e sociológica sobre a influência do marxismo na pesquisa educacional realizada no âmbito dos programas de pós-graduação criados no interior das faculdades de educação do país, após a Reforma Universitária instituída pelo regime autoritário em 1968.

Palavras Chaves: Marxismo – Pensamento Educacional Brasileiro

Introdução

Nos últimos trinta anos o marxismo se consolida como uma das matrizes teóricas das pesquisas educacionais realizadas no interior dos departamentos de história e filosofia da educação de várias universidades brasileiras. Já  não era sem tempo, diriam os adeptos desta orientação teórica, pois desde que o jornal A Reforma, órgão oficial do Partido Liberal, referiu-se pela primeira vez, no Brasil, ao “sr. Karl Marx, chefe da Internacional”, em 1879, o marxismo já provocava uma  polêmica crescente e apaixonada no país.

Tomando como sugestão metodológica uma nota contida em um trabalho de Azanha (1990:  37) “… para que não se alegue que na crítica aos textos examinados, situamo-nos numa posição teórica exterior …àquela dos autores desses textos…”, para investigarmos a determinação social do advento do marxismo nas pesquisas das  áreas de história e filosofia da educação no Brasil recorremos a um procedimento utilizado por  Marx e Engels em A ideologia alemã segundo o qual

“… não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou se representam, e também não se parte dos homens narrados, pensados, imaginados, representados, para daí se chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos, e com base no seu processo real de vida representa-se também o desenvolvimento dos reflexos e ecos ideológicos deste processo de vida. Também as fantasmagorias no cérebro dos homens são sublimados necessários dos seu processo de vida material, empiricamente constatável e ligado a premissas materiais. A moral, a religião, a metafísica e a restante ideologia, e as formas da consciência que lhes correspondem, não conservam assim por mais tempo a aparência de autonomia… Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência. No primeiro modo de consideração, parte-se da consciência como indivíduo vivo; no segundo, que corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos vivos reais e considera-se a consciência apenas como a sua consciência” (MARX e ENGELS, 1982:  14).

Em outras palavras, trata-se de aplicarmos os pressupostos marxistas acima para a análise da recepção do próprio marxismo pelo pensamento educacional brasileiro, o que implica em considerarmos esta modalidade de pensamento como um dos “discursos” existentes no interior dos departamentos de história e filosofia da educação do país em decorrência da “existência de grupos e classes que generalizam de modo diverso a sua experiência da realidade social global e a sua busca de auto-identidade coletiva” (COUTINHO,  1987: 40).

Com a ressalva de que não se pretende,   neste artigo, resvalar para um mecanicismo que leve a uma derivação da origem sócio-econômica dos pesquisadores a sua opção pela abordagem marxista dos problemas educacionais, pode-se conceber a existência de nexos entre as paixões, opções ideológicas, participação em grupos e instituições, interesses particulares e a realização de uma trajetória acadêmica identificada com o marxismo.

A opção metodológica acima pode ser justificada com o raciocínio de que “… as condições de possibilidade do sujeito científico e as de seu objeto não são mais que uma e mesma coisa, e a todo progresso do conhecimento das condições sociais de produção dos sujeitos científicos corresponde um progresso no conhecimento do objeto científico, e inversamente” (BOURDIEU, 1996: 237).

Um segundo pressuposto deste artigo foi o de não  restringirmo-nos ao estudo de “…um único marxismo específico, para não falar mesmo de um “verdadeiro” marxismo contraposto a outros falsos e “desviantes”. Em princípio, fazem parte dessa história todas as estruturas de pensamento que se declaram derivadas de Marx ou influenciadas por seus escritos…” (HOBSBAWM, 1983:13).

Ao discutirmos sobre  as especificidades do marxismo institucionalizado nas faculdades de educação brasileiras, levamos em consideração a idéia de que “não existe um único marxismo, mas sim muitos marxismos, frequentemente empenhados (como se sabe) em  ásperas polêmicas internas, a ponto de negarem uns aos outros o direito de se declararem marxistas”, como escreveu Hobsbawm (1983: 14).

No Brasil, esta disputa pelo monopólio da abordagem marxista mencionada pelo historiador inglês pode ser exemplificada pela atitude de um autor como Dermeval Saviani afirmar que somente a partir da realização do seu esforço pessoal e de outros colegas do programa de Doutorado em Educação da PUC/SP ‚ “…possível situar com nitidez a presença da concepção dialética na filosofia da educação brasileira” (SAVIANI, 1984: 288). Independentemente da pertinência ou não desta afirmação, o fato de um autor manifestar publicamente o desejo de consagrar sua obra como preeminente comprova a existência da luta pelo monopólio do que seria o “verdadeiro marxismo” no pensamento educacional brasileiro, o que torna explícita a luta  pela delimitação do que pode ser “reconhecido como ‘marxista’  pelos únicos dignos de serem reconhecidos como marxistas entre aqueles que se reconhecem ‘marxistas'” … e que,  nos anos setenta, no Brasil, “…seria menos encarniçada se seu móvel efetivo não fosse, na realidade o imenso capital simbólico que o marxismo representa…” (BOURDIEU, 1996: 163-165).

I – Recepções do marxismo no Brasil

Como escreveu Evaristo de Moraes Filho (1991: 45), apesar de alguns exemplos isolados e mesmo com a fundação do Partido Comunista do Brasil, em 1922, é depois  de 1930 que a obra de Marx passa a ser mais divulgada em terras brasileiras. Mesmo assim, se concordarmos com uma avaliação de Paulo Emílio Sales Gomes,  na década de trinta “…o marxismo em vigor era, em sua maioria, constituído de teses e documentos de congressos e conferências da Internacional, particularmente resoluções sobre o problema dos países semicoloniais e visões esquemáticas da questão do imperialismo inglês e norte-americano. Além do Manifesto, um Bukarin ou Plekanov, e O Estado e a Revolução, quase não se liam os clássicos. Um pouco mais tarde leu-se a História do Socialismo de Beer. Pelas divulgações sabia-se o que era “mais-valia” e que na sociedade existem classes com interesses contraditórios, o que era importante. Mas ninguém nunca leu O Capital. Do Brasil não se sabia nada” (citado por MOTA, 1980: 123).

Não obstante o fato de que a influência do legado de Marx possa ser verificada nas obras de autores do final do século XIX e primeiras décadas do século seguinte como Euclides da Cunha, Lima Barreto, Antonio Picarolo, Octavio Brandão, Castro Rebelo e Astrojildo Pereira, em vários balanços da história dessa abordagem teórica é Caio Prado Junior o autor consagrado  como o principal precursor de uma utilização mais efetiva e sistemática do marxismo no pensamento social brasileiro, com a publicação de sua obra Evolução política do Brasil, de 1933.

Especificamente na  área educacional, é ainda nos anos trinta que um educador considerado marxista como  Paschoal Lemme publica um trabalho sobre o ensino dos adultos e organiza cursos para operários no Distrito Federal. Confirmando a avaliação de Paulo Emílio, citada acima, um depoimento do próprio Paschoal Lemme esclarece algumas características do marxismo que o influenciava: “… Só algum tempo mais tarde, lá  pelo ano de 1932 e, principalmente, a partir de 1933, influenciado pelos acontecimentos político-sociais que vinham se desenrolando no mundo e no país, é que comecei a me interessar mais de perto pelo estudo dessas questões. Creio que, por essa época, li o Manifesto Comunista e algum resumo de O Capital, a obra fundamental de Karl Marx, e confesso que essa leitura me causou um grande impacto…” (LEMME, 1988: 213).

Em obras publicadas nos anos 40 e 50, Caio Prado Júnior confirmaria seu estilo marxista de pensar a realidade brasileira tentando superar as limitações do marxismo oficial do PCB. Com correlata intenção, Antonio Cândido lança em 1957 sua obra Formação da literatura brasileira, que em abordagem dialética, traça um painel da literatura nacional contextualizado histórica e socialmente.

O marxismo entraria de vez para a rotina universitária no Brasil a partir de 1958, quando um grupo de intelectuais da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, liderado pelo filósofo José Artur Giannotti, passa a estudar sistematicamente O Capital, de Marx, e desenvolve, posteriormente, uma considerável produção intelectual em várias disciplinas científicas e filosóficas. O contexto e os objetivos do “seminário” podem ser discutidos a partir de excertos de um depoimento de Roberto Schwarz, que foi um dos participantes:

“Com a morte de Stalin, em 1953, a divulgação das realidades inaceitáveis da União Soviética e da vida interna dos partidos comunistas ganhou em amplitude, também entre adeptos e simpatizantes. A incongruência com as aspirações libertárias e o espírito crítico do socialismo ficara irrecusável. Neste quadro, a volta a Marx representava um esforço de autoretificação da esquerda, bem como de reinserção na linha de frente da aventura intelectual… Com efeito, a crítica ao marxismo vulgar, bem como …as barbaridades conceituais do PCB, era um dos seus pontos de honra…. Isto posto, o contexto imediato do seminário não era a esquerda nem a nação, mas a Faculdade de Filosofia.  Em seus departamentos mais vivos, ajudada pelo impulso inicial dos professores estrangeiros, esta fugia das rotinas atrasadas e buscava um nível que fosse para valer, isto é, referido ao padrão contemporâneo de pesquisa e debate… Pois bem, a ligação deliberada da leitura de O Capital ao motor da pesquisa universitária iria modificar o quadro e deixar a cultura marxista anterior em situação difícil… Seja como for, a idéia de uma esquerda marxista sem chavões, à altura da pesquisa universitária contemporânea, aberta para a realidade, sem cadáveres no armário e sem autoritarismos a ocultar, era nova…” (SCHWARZ, 1998: 99-114)

Os anos do tal seminário, 1958 a 1964, correspondem a um período de radicalização política e ideológica no país, no qual a luta pelas reformas de base animaria um amplo leque de forças políticas e sociais empenhadas na busca de soluções pacíficas para os problemas sociais. Mas havia, ainda, os partidos e movimentos mais à esquerda no cenário político, propugnando a tomada do poder por uma aliança interclassista que, a exemplo da Revolução Cubana, promovesse uma ruptura com o sistema capitalista internacional e iniciasse a reconstrução da sociedade brasileira em moldes socialistas. Nesse terreno fértil o marxismo, em suas várias acepções, chegou a influenciar amplamente a produção cultural do país.

Para nos restringirmos aos reflexos daquela conjuntura histórica na vida acadêmica, em relação à radicalidade do movimento que defendia uma ampla reforma universitária, os governos militares que assumem o poder após o golpe político de 1964 passam a reorganizar o setor educacional do país com vistas em adequá-lo ao modelo de desenvolvimento econômico baseado no binômio intervenção estatal e internacionalização. Em consequência, nos anos de 1966 a 1969‚ é criado um novo modelo universitário no país com o objetivo de “agregar a racionalidade administrativa à universidade para torná-la mais moderna e adequada às exigências do desenvolvimento. Mas, politicamente, essa racionalidade administrativa acaba aumentando, no seio da própria universidade, o controle dos órgãos centrais sobre toda a vida acadêmica e, externamente, o controle da própria universidade pelos órgãos de administração federal de ensino” (ROMANELLI, 1980: 232).

As faculdades de educação serão criadas a partir de 1969 com o duplo objetivo de formar mestres e doutores em educação e pessoal qualificado para o magistério de segundo grau, administração, inspetoria, supervisão escolar e orientação educacional; e também coibir o pensamento crítico e contestatório que era produzido no interior das faculdades de filosofia. Como declarou o professor João E.R. Villalobos, avaliando o processo de liquidação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo,  “… uma radicalização política a partir do receio da subversão levara, pois, à extinção daquela Faculdade: desmembrado em diversas unidades isoladas umas das outras, o núcleo de contestação perdia sua coesão, sendo mais fácil mantê-lo sob controle” (citado por FÉTIZON, 1984: 155).

Mesmo com a aposentadoria compulsória imposta a vários professores que desenvolviam uma produção intelectual de inspiração marxista, notadamente de alguns dos participantes do seminário sobre O Capital mencionado acima, e com a repressão e  a  censura que se seguiram ao Ato Institucional nº. 5, de 13 de dezembro de 1968, nos anos posteriores à reforma universitária “… não se pode  negar que, contra todos os ventos e marés, a produção científica e cultural continua firme e empenhada em vários núcleos… A autonomia relativa de reflexão e debate foi descentrada dos grandes anfiteatros para centenas de salas de seminário, de graduação e pós-graduação, e uma série de trabalhos sobre movimentos sociais, vida política, tendências ideológicas, dependência etc. vão surgindo….” (MOTA, 1980: 262).

II – Especificidades do marxismo no pensamento educacional brasileiro

Apesar de sumária, esta exposição sobre a recepção do marxismo no Brasil permite o início de uma reflexão sobre a posição relevante que esta concepção passa a ocupar nas pesquisas educacionais desenvolvidas nos programas de pós-graduação das faculdades de educação do país na década de 1970.  Tal relevância pode ser  verificada  na quantidade de teses, dissertações, artigos e livros cuja modalidade de reflexão teórica empregada pelos autores tem  como matriz assumida  a obra do pensador alemão Karl Marx e de vários de seus continuadores, e que,  de um modo geral, podem ser classificadas:

a) dentro da tendência denominada por Libâneo (1984) como “pedagogia progressista”, ou, ainda, “pedagogia crítico-social dos conteúdos”, da qual Saviani e Cury são os principais expoentes e constaria no pensamento educacional brasileiro como a abordagem marxista primeiro se consolidou no país após a Reforma Universitária que criou as Faculdades de Educação. O próprio Saviani esclarece que

“…em um texto escrito em novembro de 1969 para servir de conclusão à cadeira de filosofia da educação que então ministrava no curso de pedagogia da PUC/SP, esbocei uma primeira tentativa de encaminhar dialeticamente o problema dos objetivos e meios da educação brasileira… Num trabalho cuja redação se completou em 1971, me posiciono metodologicamente em termos dialéticos, embora ainda sob influência da fenomenologia. Progressivamente, creio ter logrado ultrapassar esta influência elaborando, de forma cada vez mais orgânica, a perspectiva dialética da filosofia da educação entendida em termos histórico-críticos. É, porém, ao findar a década de 70 que a preocupação com a perspectiva dialética ultrapassa, na filosofia da educação, aquele empenho individual de sistematização e se torna objeto de esforço coletivo. Talvez o marco objetivo dessa passagem possa ser identificado na tese de doutoramento de Carlos Roberto Jamil Cury, Educação e contradição: elementos para uma teoria crítica do fenômeno educativo, defendida em outubro de 1979, tese esta que, enquanto era produzida, foi objeto de discussão sistemática no interior do Programa de Doutorado em Educação da PUC-SP. Penso que, a partir daí, é possível situar com nitidez a presença da concepção dialética na filosofia da educação brasileira…” (SAVIANI, 1984: 288);

b)  como “concepção dialética da educação”, classificação enfatizada por Gadotti; autor que a partir de sua atuação como docente da disciplina de filosofia da educação no curso de pedagogia da Unicamp, segundo seu próprio relato (GADOTTI, 1987: 121-122) se empenhou em realizar um “esboço de uma educação e de uma pedagogia inspiradas no marxismo”, trabalho consubstanciado inicialmente em seu livro Concepção dialética da educação (1983);

c) como a tendência denominada pouco elogiosamente por Saviani como “crítico-reprodutivista”, e que, entre muitas outras, inclui algumas obras de Cunha e Freitag. Neste caso, vale a ressalva de que ambos enfatizam em alguns dos seus trabalhos a incorporação do instrumental metodológico marxista através da mediação das interpretações de Marx realizadas por  autores como Baudelot e Establet (no caso de  Cunha, no livro Uma leitura da teoria da escola capitalista, de 1982), e Gramsci e Althusser (influências claras no trabalho de Bárbara Freitag intitulado Escola, Estado e sociedade – de 1979).

III – Problematizando a recepção do marxismo no pensamento educacional brasileiro

Embora a importância do marxismo no período em questão seja constatável  na influência  intensa, extensiva e difusa, exercida sobre uma variada produção teórica de difícil mensuração até mesmo de fora do campo tradicionalmente reconhecido como marxista, seria temerário o propósito de realizarmos uma discussão exegética dos textos educacionais visando a inferência das formas muitas vezes sutis de  incorporação do pensamento de Marx e de seus continuadores. Facilmente poderíamos cair no erro de atribuir a origem de uma noção ou conceito a Marx quando, na realidade, poderia ser proveniente de outra fonte. Entraríamos, então, em uma polêmica sem fim. Um autor como Paulo Freire, por exemplo, que recebe influência do marxismo nos anos setenta, sem recusar as influências cristãs recebidas anteriormente, dificilmente poderia ser considerado como marxista em sentido estrito. O mesmo ocorrendo com outro autor proeminente no pensamento educacional brasileiro como Rubem Alves, que em meio a inspirações retiradas das obras de Nietzsche, Freud, Barthes, Kierkegaard e Santo Agostinho, não recusa a influência de Marx, “… um Marx escondido, mas de quem empresta a idéia de alienação, uma dialética do indivíduo” (GADOTTI, 1987: 55).

Levando-se em consideração que o trabalho acadêmico dos autores classificados como marxistas citados acima foi realizado no âmbito das faculdades de educação do país, notadamente nos departamentos de História e Filosofia da Educação, em um contexto político no qual o marxismo era o inimigo priorizado pela chamada ideologia de segurança nacional do regime iniciado com o golpe de 1964, ainda está por ser realizada uma investigação que esclareça como foi possível o desenvolvimento de um número considerável de teses, dissertações, livros e artigos com um discurso acadêmico cujos seus correspondentes no campo da política prática – os grupos de orientação marxista de oposição ao regime envolvidos ou não nos movimentos de guerrilha urbana e rural então existentes no país – sofriam uma violenta repressão física. Pode-se indagar, ainda: a) por que esta influência do marxismo no pensamento educacional brasileiro  não se propagou anteriormente, ficando restrita a um pequeno grupo de intelectuais, uma vez que esta modalidade de reflexão aparece no Brasil ainda no século XIX; e b) por que esta incorporação do marxismo ocorreu justamente a partir de 1969, após a  reforma universitária que tinha como um dos seus objetivos sufocar suas  possibilidades de desenvolvimento. São questões que esperamos que sejam respondidas em estudos futuros, um pouco mais afastados das paixões exaltadas que ainda inibem as pesquisas sobre tal problemática.

Um outro conjunto de questões diz respeito à capacidade dos trabalhos acadêmicos realizados com esta orientação metodológica  abordarem os problemas teóricos e práticos da educação brasileira. É pertinente rediscutirmos a avaliação crítica realizada por Azanha, segundo a qual muitas pesquisas educacionais que se pretendiam fundamentadas metodologicamente no marxismo incorreram em uma modalidade de “…’abstracionismo pedagógico’ , entendendo-se a expressão como indicativa da veleidade de descrever, explicar ou compreender situações educacionais reais, desconsiderando as determinações específicas de sua concretude, para ater-se apenas a ‘princípios’ ou  ‘leis’ gerais que na sua abrangência abstrata seriam, aparentemente, suficientes para dar conta das situações focalizadas” (AZANHA, 1990: 24). Apesar de Azanha dirigir suas críticas  a algumas obras de Dermeval Saviani e Bárbara Freitag, argumentando que estes autores revelam em alguns dos seus textos a “… confusão epistemológica entre a elaboração teórica que se desenvolve pelo relacionamento de idéias e noções gerais (e por isso mesmo necessariamente abstratas) e a investigação empírica que opera a partir da teoria mas que não pode se resumir na simples ilustração desta”, pode-se questionar até que ponto não se tornou uma prática muito frequente entre os autores marxistas da  área educacional um certo desprezo pela busca de dados empíricos sobre as múltiplas determinações do concreto em privilégio de explicações gerais consagradas, que seriam simplesmente adaptadas em primeiro lugar, à realização de uma análise crítica do capitalismo brasileiro e das teorias e práticas educacionais consideradas intencionalmente ou de forma involuntária como reprodutoras das relações sociais capitalistas e, em segundo lugar, à defesa de uma “nova educação”, com novas práticas educacionais que levem a uma “nova sociedade” e  a um “novo homem”.

Primeiras conclusões

Em decorrência dos problemas levantados acima, no decorrer dos estudos realizados chegamos às seguintes conclusões, que podem também ser encaradas como hipóteses diretrizes para o prosseguimento de uma pesquisa sobre a história da institucionalização do marxismo nas faculdades de educação de várias universidades brasileiras.

Em relação ao contexto histórico, político e universitário no qual se desenvolveu a produção do pensamento educacional marxista no Brasil, considerando-se que o desenvolvimento do marxismo nas faculdades de educação é obra de um profissional do saber voltado para a realização do seu labor intelectual, pode-se supor que  uma de suas precondições  foi a expansão do número de programas de pós-graduação ocorrida após a Reforma Universitária de 1968, que ampliou consideravelmente a possibilidade dos profissionais  universitários se dedicarem à carreira acadêmica; e que o desenvolvimento de um pensamento educacional com tal filiação metodológica é resultado de uma estratégia consciente de alguns grupos de pesquisadores.

Também podemos supor que a intensificação do autoritarismo estatal ocorrida  após a decretação do Ato Institucional n. 5, de dezembro de 1968, e que ampliou a censura à livre circulação de idéias e a repressão aos professores e estudantes oposicionistas,  tenha contribuído para que uma modalidade crítica e radical de pensamento como o marxismo se tornasse uma opção política e teórica aos indivíduos e grupos presentes na universidade, na época, fato que indica também que mesmo durante o regime militar a universidade brasileira resguardou  uma certa autonomia para a produção realizada no seu interior.

Uma decorrência do raciocínio acima é a suposição de que os autores mencionados chegaram até o marxismo primeiramente por convencimento político e, posteriormente, optaram pela realização de suas pesquisas com base na metodologia e  nas proposições teóricas do materialismo histórico e dialético. Com isto, também estamos supondo que muitos desses autores participavam de grupos, partidos e entidades políticas, e que essa presumida vinculação influiu de alguma maneira na realização de sua obra acadêmica.

O fato de os autores em questão não terem realizado suas obras no interior dos partidos comunistas e de outros agrupamentos marxistas pode ser explicado tanto pela  improbabilidade do tipo de reflexão teórica desejada ser desenvolvida nos limites da clandestinidade imposta pelo regime autoritário a estes grupos, quanto em razão de  que as organizações marxistas privilegiavam a produção de textos e documentos voltados para o embate político imediato e negligenciavam a necessidade de pesquisas e reflexões teóricas que pudessem resultar de um processo de maturação lenta.

Quanto às especificidades do marxismo desenvolvido nas faculdades de educação das universidades brasileiras, supondo-se que  alguns autores chegaram até o marxismo já  na maturidade ou próximos desta, tanto a  apropriação da obra de Marx e da de seus continuadores, quanto a forma de adaptação desta modalidade de pensamento aos  problemas educacionais do Brasil serão influenciadas   pela   bagagem teórica e filosófica anterior à opção de cada pesquisador pelo marxismo e pela recepção de autores e obras consideradas marxistas originários de outros países, como por exemplo, Lenin, Gramsci e Lukács,  Manacorda, Suchodolski e Snyders, entre outros.

Pode-se presumir que tenha ocorrido uma divisão do trabalho entre os teóricos marxistas em questão, uns se dedicando à elaboração da “grande teoria” e outros utilizando a teoria elaborada pelos primeiros para a realização de pesquisas voltadas para a resolução de problemas colocados pelas atividades de ensino.

A despeito da referência comum a Marx, não se pode dizer que haja  uma unidade metodológica no pensamento educacional  marxista produzido no Brasil, antes, isto sim, deve-se conceber que esta modalidade de pensamento foi desenvolvida no país sob o signo da divergência e do debate teórico e político intenso, e que eram potencializados por problemas advindos de circunstâncias exteriores ao campo científico.

Para entendermos o  “abstracionismo pedagógico” apontado por Azanha e apresentado acima, pode-se supor que tal característica tenha se desenvolvido como uma consequência involuntária da intenção,  presente em vários autores enfocados, de produzir um discurso que não fosse taxado de simplesmente ideológico, ou de superficial e vulgar – crítica costumeiramente dirigida à produção teórica dos Partidos Comunistas -, o que levou a um nível de formalização e de racionalização do discurso filosófico e científico que acabou relegando a um segundo plano o   tratamento das chamadas múltiplas determinações do concreto.

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Texto publicado originalmente em PRAXEDES, W. L. A. . Repensando a recepção do marxismo no pensamento educacional brasileiro. Cadernos de Apoio ao Ensino (UEM), Maringá – PR, n.N. 10, p. 5-24, 2001.

Marx e a educação

Walter Praxedes

marx PhotoScan
Engels, de pé, à esquerda da foto, ao lado de Marx e suas filhas Laura, Eleanor e Jenny (da esquerda para a direita) – nas férias de 1864. (1)

Um ponto de partida que consideramos promissor para o estudo da dimensão educativa da obra do pensador alemão Karl Marx é a reflexão sobre a terceira de suas 11 Teses contra Feuerbach. Nela o autor se coloca em uma perspectiva oposta à de autores positivistas como Comte e Durkheim, os quais concebiam a educação como um processo unilateral que torna os sujeitos individuais meros receptáculos de uma formação educacional imposta pelo sistema social. Para Marx, que criticava o pensamento materialista anterior a ele, “a doutrina materialista sobre a mudança das contingências e da educação se esquece de que tais contingências são mudadas pelos homens e que o próprio educador deve ser educado” (MARX, 1978b, p. 52).

A tese acima revela que, para Marx, a educação não é algo pronto a ser imposto às cabeças vazias das novas gerações, como prevê, por exemplo, a concepção educacional durkheimiana. A perspectiva marxiana considera a educação como uma relação social que se estabelece entre os sujeitos de uma sociedade. Como a sociedade é encarada como um processo social em mutação constante, a educação é um elemento que deve ser considerado também em permanente estado de transformação. Se, por um lado, Marx considera que os homens são o produto das circunstâncias, por outro, ele atribui a esses homens a capacidade de modificar as circunstâncias em que vivem, pois a ação humana, no seu entendimento, influencia os processos de transformação da sociedade. Se os educadores, pais, professores e demais sujeitos sociais influenciam a formação das novas gerações, eles próprios, por sua vez, estão em um contínuo processo formativo, que resulta de seu relacionamento entre si e com as novas gerações.

I – A educação como uma dimensão da vida social

Na obra de Marx, contudo, não se pode dizer que se encontra um saber sistemático e organizado sobre a educação, embora esta seja um componente presente em inúmeros momentos em suas reflexões sobre a história e sobre as sociedades capitalistas. Marx considera a educação não como uma realidade externa que possui existência própria, mas como uma relação social entre os indivíduos e classes sociais, uma expressão da forma de consciência da sociedade e, ainda, uma prática social que se desenvolve em combinação com as demais esferas da vida social, como a forma em que está dividido o trabalho entre os membros da sociedade, as tecnologias existentes e o modo como os seres humanos se relacionam para dividir os resultados do trabalho. Segundo tal perspectiva, a educação não pode ser devidamente entendida se for apenas analisada isoladamente, fora da totalidade social de que faz parte, influenciando os demais fatores da sociedade e, ao mesmo tempo, sendo por eles influenciada, conforme pode ser inferido da seguinte passagem da obra Contribuição à crítica da economia política:

“Na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência” (MARX, 1978a, p. 129-130).

Alguns estudiosos marxistas, entretanto, tiraram conclusões apressadas sobre esta relação entre a estrutura econômica da sociedade, acima considerada pelo próprio Marx como a ‘base real’ que sustenta as instituições jurídicas, políticas e as concepções intelectuais, científicas e ideológicas, atribuindo sempre aos fatores econômicos o poder de explicar as causas verdadeiras e últimas dos fenômenos sociais. No pensamento de Marx, fica claro como os acontecimentos no interior de uma sociedade podem influenciar uns aos outros, e apenas mediante o estudo deste relacionamento recíproco é que se pode chegar a um conhecimento satisfatório sobre a totalidade social. Até mesmo Engels, que já foi acusado, entre outros, pelo filósofo Jean-Paul Sartre de reduzir o materialismo histórico a uma forma de conhecimento unilateral que explica todos os fenômenos sociais como se estivessem determinados pelos interesses econômicos, no final de sua vida esclareceu em uma carta que:

“[…] segundo a concepção materialista da história, o momento em última instância determinante, na história, é a produção e reprodução da vida real. Nem Marx, nem eu alguma vez afirmamos mais. Se agora alguém torce isso afirmando que o momento econômico é o único determinante, transforma aquela proposição numa frase que não diz nada, abstrata, absurda. A situação econômica é a base, mas os diversos momentos da superestrutura – formas políticas da luta de classes e seus resultados: constituições estabelecidas pela classe vitoriosa uma vez ganha a batalha, etc., formas jurídicas, e mesmo os reflexos de todas estas lutas reais nos cérebros dos participantes, teorias políticas, jurídicas, filosóficas, visões religiosas e o seu ulterior desenvolvimento e em sistemas de dogmas – exercem também a sua influência sobre o curso das lutas históricas e determinam em muitos casos preponderantemente a forma delas. Há uma ação recíproca de todos estes momentos, em que, finalmente, através de todo o conjunto infinito de casualidades (isto é, de coisas e eventos cuja conexão interna é entre eles tão remota ou é tão indemonstrável que nós a podemos considerar como não-existente, a podemos negligenciar), o movimento econômico vem ao de cima como necessário. Senão, a aplicação da teoria a um qualquer período da história seria mais fácil do que a resolução de uma simples equação de primeiro grau” (MARX; ENGELS, 1983, p. 547)

Antes de darmos continuidade, contudo, à nossa pesquisa sobre a concepção marxiana que situa a educação como uma determinada forma de consciência e de prática social própria de um determinado modo de produção social, devemos esclarecer que a noção de modo de produção pode ser entendida como uma noção teórica a ser testada com as informações sobre a própria realidade histórica, ou seja, como uma totalidade que se constitui na história e expressa o estágio de desenvolvimento das chamadas forças produtivas combinadas com as relações sociais de produção, mas jamais pode ser entendida como uma estrutura rígida que determina totalmente as ações humanas e o movimento histórico de forma linear, unilateral, necessário e ininterrupto, como propõe o evolucionismo positivista.

Em seus estudos, Marx chegou à conclusão de que a humanidade havia passado na história por vários modos de produção, que podem coexistir em diferentes espaços geográficos em períodos históricos muito próximos, como a comunidade primitiva, passando pelas sociedades antigas, onde é explorado o trabalho escravo, pelo modo de produção asiático, o feudalismo europeu, baseado na servidão, chegando ao capitalismo, fundamentado no trabalho assalariado e na propriedade privada dos meios de produção pelo capitalista e que anuncia, por sua vez, a possibilidade do surgimento do modo de produção socialista, que transforma em coletiva a propriedade privada.

As forças produtivas representam a capacidade de uma coletividade transformar a natureza em recursos para a sua vida material. Isso ocorre por meio do trabalho que os seres humanos realizam. Por sua vez, o trabalho de transformação da natureza depende de um saber técnico a respeito das formas mais eficientes de atuar sobre a natureza, utilizando-se de instrumentos que multiplicam as forças do animal humano e são acumulados como saberes que propiciam uma determinada produtividade do trabalho. Deve ser mencionado, ainda, que os seres humanos vão-se diferenciando do restante do reino animal ao conceberem tanto as formas mais eficientes de trabalhar quanto os meios utilizados para melhor utilizar as técnicas de trabalho criadas, organizar a cooperação entre os trabalhadores, a forma de dividir o trabalho entre os diferentes sexos e entre as pessoas de diferentes idades, por exemplo.

Já as relações sociais de produção expressam a maneira como os humanos se relacionam durante a realização das atividades do trabalho social, distribuindo entre os membros da coletividade o poder de decisão sobre quais atividades devem ser realizadas, quais técnicas serão empregadas no trabalho, quem terá acesso ao uso dos meios de trabalho como a terra ou as ferramentas. Em outras palavras, as relações sociais entre os membros de uma coletividade definem quem trabalha, em quais atividades as pessoas trabalham, em que ritmo o trabalho será realizado, durante quanto tempo cada trabalhador realizará a sua atividade e, por último, como será distribuído o resultado do trabalho, ou seja, como será repartida a riqueza produzida e quem terá o direito de ter ou não propriedade sobre os recursos essenciais para a vida social.

Entre as forças produtivas e as formas de relacionamento social podem ocorrer inadequações, conflitos, contradições, gerando problemas para a sobrevivência da sociedade em questão que se expressam pelas crises e revoluções. Nas palavras de Marx:

“Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas estas relações se transformam em seus grilhões. Sobrevém então uma época de revolução social” (MARX, 1978a, p. 130)

II – Educação e alienação

Por considerar que o ser humano compõe o mundo natural, mas como um ser social que só satisfaz as suas necessidades ao se relacionar com outros seres humanos, ao mesmo tempo que se relaciona com a natureza por meio do trabalho, pode-se dizer que a alienação do trabalho é a negação desta unidade entre o homem e o mundo, uma vez que a sua atividade de trabalho não leva à satisfação de suas necessidades materiais e perverte a sua relação com os outros seres humanos. Para Marx, como demonstram os seus escritos de juventude que ficaram conhecidos como Manuscritos econômicos e filosóficos de 1844 (MARX, 1979), é a propriedade privada que leva uma minoria dos seres humanos a se apropriar dos meios que devem estar à disposição de todos. O direito à propriedade é a negação da propriedade a outrem, portanto, é sua alienação em relação aos meios que satisfariam as suas necessidades humanas. Em síntese, a alienação é o que separa o ser do destino de sua própria sociedade, consequentemente, dos demais seres humanos, membros da espécie, e também do restante da natureza, já que o ser individual, para alcançar e manter a propriedade individual, nega esta mesma possibilidade aos demais seres humanos.

A propriedade privada transforma o trabalho humano em uma atividade desumana, uma vez que o trabalhador passa a executar uma atividade cujo resultado, os bens produzidos ou o lucro que advirá de sua venda no mercado, pertencerá ao capitalista. Como o trabalhador trabalha apenas para satisfazer o seu interesse em receber o salário, para ele a atividade de trabalho em si é desgastante, enfadonha e quase sempre sem sentido; isso leva o capitalista a controlar rigidamente o tempo de trabalho do trabalhador, forçando-o a se empenhar além de suas forças físicas e intelectuais.

“O que constitui a alienação do trabalho? Primeiramente, ser o trabalho externo ao trabalhador, não fazer parte de sua natureza, e, por conseguinte, ele não se realizar em seu trabalho, mas negar a si mesmo, ter um sentimento de sofrimento em vez de bem-estar, não desenvolver livremente suas energias mentais e físicas, mas ficar fisicamente exausto e mentalmente deprimido. O trabalhador, portanto, só se sente à vontade em seu tempo de folga, enquanto no trabalho se sente contrafeito. Seu trabalho não é voluntário, porém imposto, é trabalho forçado. Ele não é a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio para satisfazer outras necessidades. Seu caráter alienado é claramente atestado pelo fato de, logo que não haja compulsão física ou outra qualquer, ser evitado como uma praga. O trabalho exteriorizado, trabalho em que o homem se aliena a si mesmo, é um trabalho de sacrifício próprio, de mortificação. Por fim, o caráter exteriorizado do trabalho para o trabalhador é demonstrado por não ser o trabalho dele mesmo, mas trabalho para outrem, por no trabalho ele não se pertencer a si mesmo, mas sim a outra pessoa” (MARX, 1979, p. 91)

Uma educação simplesmente adequada às demandas da divisão do trabalho capitalista confirma a alienação, pois difunde entre os seres humanos uma consciência social parcelarizada, que aceita a divisão entre concepção e execução, entre trabalho intelectual e braçal, e reduz o trabalhador às características de sua ocupação funcional, impedindo-o de realizar todas as suas potencialidades humanas. Uma educação alienada torna-se alienante ao formar os futuros trabalhadores como seres unilaterais, especializados, que não estão interessados nas consequências de sua atividade de trabalho para os demais seres humanos, mas estão preocupados apenas com o salário que receberão após a atividade. De uma atividade desenvolvida no espaço público, para satisfazer uma necessidade ao mesmo tempo privada e social do ser humano, o trabalho alienado pode gerar tanto a rejeição à atividade pública de trabalho quanto o seu contrário, que é a realização do trabalho como uma compulsão e um fim em si mesmo.

“Tal como o trabalho alienado: 1) aliena a natureza do homem e 2) aliena o homem de si mesmo, de sua própria função ativa, de sua atividade vital, assim também o aliena da espécie. Ele transforma a vida da espécie em uma forma de vida individual. Em primeiro lugar, ele aliena a vida da espécie e a vida individual, e posteriormente transforma a segunda, como uma abstração, em finalidade da primeira, também em sua forma abstrata e alienada. Pois, trabalho, atividade vital, vida produtiva agora aparecem ao homem apenas como meios para a satisfação de uma necessidade, a de manter a sua existência” (MARX, 1979, p. 95)

A alienação é uma relação social entre um ser humano proprietário que está preocupado em acumular mais propriedade privada, com outro ser humano, o trabalhador, que se submete à realização de um trabalho que o mutila, porque esta é a condição para a sua sobrevivência enquanto não-proprietário. Os seres humanos pervertem, assim, o seu relacionamento social ao se transformarem em meros objetos diante dos produtos criados por eles próprios.

Para superar essa condição de alienação, não basta a consciência sobre o que causa a alienação e sobre as suas consequências. Para Marx, a superação da alienação será o resultado da praxis, ou seja, de uma ação consciente dos seres humanos para acabar com a alienação. Uma educação que critique a dimensão alienada do trabalho e da vida pública pode se constituir no primeiro passo para uma ação transformadora da condição de alienação em que a humanidade se encontra no capitalismo.

III – A divisão social do trabalho e a reprodução das relações sociais

Estamos reconhecendo, assim, que os grupos humanos, deliberadamente ou não, sempre desenvolveram formas de preparar os seus membros para o trabalho, educando-os para a realização de determinadas atividades produtivas e sobre a maneira como devem relacionar-se com os outros membros da coletividade. No pensamento marxiano, a educação pode ser considerada como uma superestrutura social que guarda uma correspondência com o estágio de desenvolvimento das forças produtivas e da divisão social do trabalho. Para utilizarmos os termos do próprio Marx:

“O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência […] Com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura se transtorna com maior ou menor rapidez. Na consideração de tais transformações é necessário distinguir sempre entre a transformação material das condições econômicas de produção, que pode ser objeto de rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito e o conduzem até o fim” (1978a, p. 130)

Ao lermos atentamente uma passagem da obra A ideologia alemã (MARX; ENGELS, 1982), escrita por Marx em parceria com Engels, na qual esclarecem o seu método de estudo, mesmo de forma implícita, fica claro que os autores concebiam a educação como um dos componentes do conjunto da vida social:

“[…] não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou se representam, e também não se parte dos homens narrados, pensados, imaginados, representados, para daí se chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos, e com base no seu processo real de vida representa-se também o desenvolvimento dos reflexos e ecos ideológicos deste processo de vida. Também as fantasmagorias no cérebro dos homens são sublimados necessários do seu processo de vida material, empiricamente constatável e ligado a premissas materiais. A moral, a religião, a metafísica e a restante ideologia, e as formas da consciência que lhes correspondem, não conservam assim por mais tempo a aparência de autonomia […] Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência. No primeiro modo de consideração, parte-se da consciência como indivíduo vivo; no segundo, que corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos vivos reais e considera-se a consciência apenas como a sua consciência” (MARX; ENGELS, 1982, p. 14).

Em outras palavras, trata-se de aplicarmos os pressupostos marxistas acima para a análise da concepção educacional presente na obra marxiana. Na sociedade capitalista, a manutenção de uma diferença social básica entre, de um lado, os proprietários dos meios de produção e, de outro, um grande número de despossuídos, que para sobreviver necessitam vender a sua força de trabalho para os primeiros, garante a reprodução contínua da estrutura social estratificada. Esta diferença econômica básica coloca em oposição os assalariados e os capitalistas, gerando, socialmente, a diferença entre as classes proletária e burguesa.

As classes sociais se constituem historicamente a partir do local ocupado pelos sujeitos no processo de produção material das sociedades modernas e mantêm uma relação de complementaridade e de antagonismo entre si. No pensamento de Marx, as classes sociais se constituem em duas fases consecutivas:

“na primeira, a classe constitui somente uma classe em relação a outra, devido à sua posição na organização sócio-econômica e às relações específicas que resultam desta posição. Na segunda fase, a classe já toma consciência de si mesma e de seus interesses, e concebe para si uma missão histórica, e se constitui como uma classe no verdadeiro sentido da palavra, como um grupo de ação política potencial, que intervém como tal nas lutas sociais e nos conflitos econômico-políticos e que contribui como tal para as mudanças sociais e para o desenvolvimento da sociedade” (STAVENHAGEN, 1984, p. 290)

Os trabalhadores reproduzem a sua força de trabalho gerando, alimentando e educando filhos que ocuparão os seus lugares no futuro. O crescimento econômico, como explica Lefebvre, pressupõe a reprodução ampliada tanto da maquinaria (capital fixo) quanto da força de trabalho (capital variável que assume a forma de salários).

A educação torna-se, assim, uma forma de preparar as novas gerações de proprietários e de não-proprietários para as posições que irão ocupar na hierarquia do processo de produção. A este respeito, Henri Lefebvre recorda que a crítica pedagógica francesa evidenciou que na ‘escola de massas’, onde ocorre a instrução primária,

“os métodos, os locais, a arrumação do espaço, reduzem o aluno à passividade, habituando-o a trabalhar sem prazer […] O espaço pedagógico é repressivo, mas esta estrutura tem um significado mais vasto do que a repressão local: o saber imposto, engolido pelos alunos, vomitados nos exames, corresponde à divisão do trabalho na sociedade burguesa, serve-lhe, portanto, de suporte […] A escola prepara proletários e a universidade prepara dirigentes, tecnocratas e gestores da produção capitalista. Sucedem-se as gerações assim formadas, substituindo-se uma pelas outras na sociedade dividida em classes e hierarquizada […] A escola e a universidade propagam o conhecimento e formam as gerações jovens segundo padrões que convêm tanto ao patronato como à paternidade e ao patrimônio. Há disfunções quando o saber crítico inerente a todo o conhecimento dá origem a revoltados. Às funções maciças da escola e do liceu sobrepõe-se a função elitista da universidade, que filtra os candidatos, desencoraja ou afasta os que se desviam, permite o establischment (LEFEBVRE, 1984, p. 226).

A concepção segundo a qual a escola é um local de democratização do saber encobre a contradição fundamental da sociedade capitalista, escondendo que a escola classista é mais um dos espaços destinados à reprodução da hierarquia econômica, entre proprietários e não-proprietários; da hierarquia social, entre burgueses e proletários; e da hierarquia política, entre governantes e governados. Tal fato pode ser ilustrado pela frequência como os indivíduos que ocupam as posições atribuídas aos profissionais com maior tempo de escolarização provêm das classes e camadas sociais que tiveram as mesmas oportunidades educacionais em épocas anteriores.

IV- Marx e os problemas educacionais do seu tempo

O Marx que tinha uma concepção de conjunto sobre a história humana e sobre o modo de produção capitalista não pode ser dissociado do militante político, que tinha como incumbência a formulação de propostas viáveis para os problemas do momento, que fariam parte das bandeiras de luta da Associação Internacional dos Trabalhadores, da qual foi um dos fundadores e militantes mais destacados. Ao discutirmos o posicionamento político e as propostas de Marx a respeito das medidas educacionais adequadas à sua época, temos que levar em consideração, portanto, que o autor estava preocupado com os problemas mais imediatos e que exigiam que fossem colocados em prática alguns “indispensáveis antídotos contra as tendências de um sistema social que degrada o operário a mero instrumento para a cumulação de capital, e que transforma pais, devido às suas necessidades, em proprietários de escravos, vendedores dos seus próprios filhos” (MARX; ENGELS, 1983, p. 83).

As propostas educacionais de Marx evidenciam, assim, as nuanças de um pensamento que mantinha como horizonte a transformação revolucionária da sociedade, sem, contudo, abster-se diante dos desafios colocados pela prática política em uma sociedade de classes.

É pelo estudo do relacionamento entre as classes sociais, ou seja, entre os detentores dos meios de produção e os trabalhadores destituídos desses meios, que se pode interpretar a estrutura do Estado não como representante de uma vontade geral abstrata que defende o bem comum, mas como um conjunto de instituições jurídicas e administrativas que garante a dominação dos capitalistas sobre os proletários para viabilizar a reprodução da desigualdade entre as classes sociais, ao propiciar a acumulação de capital em um polo da sociedade, submetendo pela lei ou pela força física a classe trabalhadora.

Como consta já no Manifesto do Partido Comunista de 1848, redigido em parceria com Engels, Marx defendia a implementação de uma “educação pública gratuita de todas as crianças” (MARX; ENGELS, 1982, p. 125), com a eliminação do trabalho infantil, na forma como este era então explorado pelos empresários capitalistas, e a proposição de uma modalidade combinada de educação, voltada para a formação de todas as dimensões humanas, incluindo a atividade produtiva, a sensibilidade artística, a formação científica e o cultivo do corpo.

Num documento redigido, posteriormente, por Marx, com o objetivo de orientar os delegados do Conselho Central Provisório que participariam do I Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores, que se realizou em Genebra, de 3 a 8 de setembro de 1866, fica claro como o autor defendia a intervenção dos trabalhadores nos debates sobre a legislação educacional, pois, no seu entendimento, esta era a maneira mais eficiente de fazer com que o Estado impusesse leis que limitassem a ganância dos empresários capitalistas, pois

“[…] impondo tais leis, a classe operária não fortifica o poder governamental. Pelo contrário, ela transforma esse poder, agora usado contra ela, em seu próprio agente. Eles efetuam por uma medida geral aquilo que em vão tentariam atingir por uma multidão de esforços individuais isolados” (MARX; ENGELS, 1983, p. 83).

Mesmo defendendo a importância de uma legislação educacional, seria um erro concluir que Marx era favorável a que o Estado, nas sociedades capitalistas, se tornasse responsável pela educação popular, como se conclui da leitura de sua Crítica ao Programa de Gotha:

“Uma ‘educação popular do Estado’ é totalmente rejeitável. Determinar por meio de uma lei geral os meios das escolas primárias, a qualificação do pessoal docente, os ramos do ensino, etc., e, como acontece nos Estados Unidos, supervisionar por inspetores do Estado o cumprimento destas prescrições legais, é algo totalmente diferente de nomear o Estado educador do povo! Mais ainda, é de excluir igualmente o governo e a Igreja de toda a influência sobre a escola. Ora, no Império Prussiano-Alemão (e que não se recorra ao subterfúgio duvidoso de que se está a falar de um ‘Estado do futuro’; já vimos o que ele é), inversamente, é o Estado que precisa de uma muito rude educação pelo povo” (MARX; ENGELS, 1985, p. 27)

Conclusão

No pensamento de Marx, a educação é uma relação social que expressa a forma como os sujeitos sociais são preparados, preparam-se para viver e convivem em uma sociedade dada, a qual se encontra em um momento histórico que pode ser identificado como pertencente a determinado modo de produção, possibilitando a reprodução das relações sociais de produção e das forças produtivas. Em cada modo de produção ocorre uma determinada forma de divisão do trabalho, que pressupõe uma educação adequada ao domínio que é exercido sobre a natureza. Os membros das camadas e classes sociais são educados para a caça e a coleta, para a agricultura e a pecuária, para o artesanato ou para os serviços e a indústria baseada na maquinofatura. O modo de produção também sofre as consequências das ações revolucionárias realizadas pelos seres humanos para a superação dos problemas que a vida social lhes apresenta.

É necessário, pois, um processo social de aprendizagem da cultura que envolve a aprendizagem das técnicas de produção, de relacionamento interpessoal e também de representação simbólica da vida social e participação na vida política da sociedade. Em conjunto, esse processo de aprendizagem é chamado de processo de socialização; resulta da relação social entre os membros de uma coletividade para garantir tanto a continuidade da coletividade no tempo quanto a sua transformação para que consiga solucionar os novos problemas com que se depara para a garantia dos recursos materiais de que necessita e da forma de integração social mínima entre os seus membros. Em Marx, a educação deve ser concebida, portanto, como um processo de formação de um ser que é, ao mesmo tempo, produto da história e seu agente transformador. O que torna imprescindível para os processos educacionais a crítica ao existente.
(1) HUNT, Tristam. Comunista de casaca – a vida revolucionária de Friedrich Engels. Rio de Janeiro, Record, 2010.

Referências

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LEFEBVRE, H. Estrutura social: a reprodução das relações sociais. In: FORACCHI, M. M.; MARTINS, J. S. (Org.). Sociologia e sociedade. São Paulo: Livros Técnicos e Científicos, 1984. p. 219-252.

MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1978a. (Coleção Os pensadores).
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______. Primeiro manuscrito: trabalho alienado. In: FROMM, E. Concepção marxista do homem. Rio de Janeiro, Zahar, 1979. p. 89-102.

______. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1984. v. 1, t. 2.

MARX; ENGELS. Obras escolhidas. Lisboa: Edições “Avante!”, 1982. t. 1.

MARX; ENGELS. Obras escolhidas. Lisboa: Edições “Avante!”, 1983. t. 2.

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STAVENHAGEN, R. Classes sociais e estratificação social. In: FORACCHI, M. M.; MARTINS, J. S. (Org.). Sociologia e sociedade. São Paulo: Livros Técnicos e Científicos, 1984.

(Texto publicado originalmente em PRAXEDES, W. L. A. . Sociologia da educação no pensamento de Marx. In: Simone Pereira da Costa Dourado; Walter Lucio de Alencar Praxedes. (Org.). Teorias e pesquisas em ciências sociais. 1ed.Maringá – PR: Editora da Universidade Estadual de Maringá – EDUEM, 2010, v. , p. 367-379.)