Inclusão social: responsabilidade do Ensino Superior

Walter  Praxedes

 

Introdução: exclusão e irresponsabilidade social

 

Vivemos sob o poder quase sem limites das corporações de empresas transnacionais que se utilizam das tecnologias mais sofisticadas para dominar os setores em que atuam no mercado global, gerando como consequências a concentração de riquezas, o aumento da pobreza, do desemprego, as migrações de milhões de seres humanos e o esgotamento das matérias-primas e formas de energia não renováveis.

 

Devemos recordar que a produção de bens, alimentos e serviços há muito deixou de ser um meio para a satisfação das necessidades humanas, para se transformar em busca da produtividade ilimitada com vistas à acumulação de riquezas, ameaçando exaurir as condições necessárias para a vida na Terra.

 

Diferentemente da minoria beneficiada com o fenômeno da globalização, na base da pirâmide social do Planeta, segundo a previsão do filósofo norte-americano Richard Rorty  a maioria das pessoas que vai nascer no Século XXI “nunca vai chegar a usar um computador, receber tratamento médico num hospital ou viajar de avião. Essas pessoas terão sorte se aprenderem a usar lápis e papel e mais sorte ainda se forem tratadas com algum medicamento mais caro do que uma aspirina”

 

De acordo com a estimativa do diplomata peruano Oswaldo de Rivero, calcula-se que “no ano 2020, haverá nos países em desenvolvimento três bilhões de pobres, entre eles, mais de 800 milhões passarão fome, e centenas de milhões estarão desempregados ou subempregados”.

 

No Relatório do Desenvolvimento Humano de 1999, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, aparece uma explicação para a ocorrência de tal situação: “quando as motivações de lucro dos atores do mercado ficam fora de controle, desafiam a ética das pessoas e sacrificam o respeito pela justiça e direitos humanos.”

 

  1. A necessidade de ações corretivas

 

Considero, portanto, como motivo de otimismo o fato de que a cada dia diminui a quantidade daqueles que acreditam que a natureza deva ser instrumentalizada como um mero recurso à disposição das empresas, como se os empresários fossem “a medida de todas as coisas” e pudessem dispor de um meio ambiente dotado de recursos infinitos.

 

O maior acesso às informações sobre como atuam as corporações de empresas transnacionais, bem como as locais que seguem os mesmos padrões de atuação predatória, tem levado os cidadãos brasileiros a exigirem ações corretivas por parte do Estado e das entidades da sociedade civil, e a cobrarem que as próprias empresas se responsabilizem em resolver os problemas que criam.

 

É assim que a responsabilidade com os destinos da sociedade em que vivemos se tornou um tema obrigatório nos relatórios de desempenho das instituições de Ensino Superior, empresas e organizações não-governamentais.

 

É evidente que a ideia de “responsabilidade social” não pode ser confundida, por exemplo, com a ação de um empresário que finge dar com uma mão para imediatamente retirar com a outra, tentando auferir lucros com a propaganda enganosa do assistencialismo clientelista. Também não podemos deixar de criticar aquelas iniciativas aparentemente generosas, implementadas por empresas que contribuem para a melhoria na qualidade de vida de pequenas comunidades, ao mesmo tempo em que prejudicam a vida de milhões, como é o caso de algumas intervenções hipócritas das indústrias de armas, de cigarros e de bebidas alcoólicas, para ficarmos apenas com alguns exemplos.

 

  1. A responsabilidade com a inclusão social

 

A responsabilidade primeira das instituições de Ensino Superior é formar profissionais e pesquisadores com uma visão de conjunto sobre os problemas que afetam a vida humana como um todo, e a sociedade em que vivemos em particular. Para tanto, é preciso que tenham o compromisso com uma ação educativa fundamentada na liberdade de pensamento, na busca de soluções para os problemas sociais e do meio ambiente, e na defesa dos direitos humanos e da democracia.

 

Uma instituição de Ensino Superior, seja pública ou privada, existe para promover a formação das novas gerações e só terá legitimidade para continuar a existir se tiver como missão a responsabilidade com o futuro da humanidade e da sociedade em que está inserida.

 

Para que as instituições de Ensino Superior formem profissionais e pesquisadores competentes e preparados para a busca de soluções para os problemas mencionados, a formação teórica não pode ocorrer desvinculada da atuação prática. Cabe a cada instituição promover o relacionamento duradouro entre o seu corpo discente, docente e demais colaboradores, com aqueles setores da sociedade que estão sofrendo diretamente com os problemas do mundo contemporâneo.

 

É assim que nascem os projetos generosos e comprometidos politicamente com aqueles cidadãos que estão marginalizados, através dos quais professores, estudantes e funcionários contribuem de inúmeras maneiras:

  • na formação de cooperativas de trabalhadores e de micro-empresários;
  • difundindo informações sobre novas formas de gerenciamento;
  • promovendo a qualificação profissional e a alfabetização, inclusive a digital;
  • ensinando formas mais adequadas de cuidados com a saúde e prevenção de doenças;
  • desenvolvendo a produção orgânica e incentivando novas formas de preparo dos alimentos;
  • viabilizando o acesso à justiça;
  • realizando o planejamento de eventos e atividades de lazer e esporte.

 

Intervenções como estas devem evitar o assistencialismo que torna o cidadão dependente, através de iniciativas que contribuam para a autonomia dos mais pobres e discriminados, para que resistam às pressões desagregadoras da competição no mercado globalizado.

 

Acredito que participando nas atividades voltadas para a inclusão social dos marginalizados pelo sistema sócio-econômico os universitários se desenvolverão muito mais do que se ficarem em sala de aula como receptores passivos de um conhecimento puramente livresco.

 

Concluindo: um ponto de partida

 

Para dar início a um projeto de inclusão social junto aos cidadãos que se encontram em situação de risco e exclusão do mercado de trabalho, do acesso aos bens de consumo e dos direitos de cidadania, devemos adotar três pressupostos:

1º. Tomar como princípio ético de nossa atuação a ideia segundo a qual devemos agir com os cidadãos envolvidos no projeto como gostaríamos que os outros agissem conosco caso estivéssemos na mesma situação;

2º. Temos que ouvir diretamente a voz daqueles que possivelmente participarão no projeto, para conhecermos os seus anseios e evitarmos a postura arrogante daqueles que imaginam que sabem o que o outro realmente necessita;

3º. Os envolvidos têm o direito de participar de todas as fases do projeto, desde a elaboração até a avaliação dos resultados alcançados.

 

Enquanto a sociedade em que vivemos não se tornar igualitária, que pelo menos seja solidária.

Referências

CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo, Xamã, 1996.

CORREIO DA UNESCO, O. Ano 27, nº 9/10 – Setembro/outubro, 1999.

IANNI, Octávio. A sociedade  Global. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1992.

Relatório do desenvolvimento humano 1999. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimentos (PNUD)

RIVERO, Oswaldo de. “Demolindo o mito do desenvolvimento”. Entrevista à revista O Correio da Unesco. Setembro/outubro 1999, pp. 61-66.

RORTY, Richard. O futuro da Utopia. In: Jornal Folha de São Paulo, caderno Mais!, pág. 5, São Paulo, 4 de abril de 1999.